Neste artigo, mostraremos que a temperatura em outros oceanos também é importante para a distribuição da precipitação e tomada de decisão
Nos últimos meses, várias notícias sobre extremos meteorológicos foram reportadas no Brasil. O país passou por chuva excessiva sobre o Rio Grande do Sul, calor extremo nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste e seca severa na Amazônia. Invariavelmente o responsável pelas ocorrências foi o El Niño. O fenômeno é caracterizado por um grande aquecimento na superfície do oceano Pacífico equatorial central (Figura 1). Por conta da grande dimensão do oceano, grande quantidade de vapor d´água e de calor é transferida para a atmosfera, que por sua vez, acaba reagindo de forma a mudar a intensidade e direção dos ventos em todo o globo. O resultado no Brasil é um aumento excessivo do calor sobre as Regiões Sudeste e Centro-Oeste, aumento da frequência intensidade da chuva sobre a Região Sul e diminuição da precipitação da Amazônia, exatamente como vimos nos últimos meses (Figura 2).
Também há períodos em que o oceano Pacífico resfria em demasia, gerando o fenômeno La Niña (Figura 1). Neste caso, é comum vermos diminuição da chuva sobre a Região Sul, um verão mais frio na Região Sudeste e chuva acima da média sobre parte das Regiões Norte e Nordeste (Figura 2).
Figura 1: anomalia de temperatura dos oceanos tropicais com destaque para uma grande área avermelhada na parte central do mapa superior, indicando o fenômeno El Niño de 2015, e uma grande área azulada na parte central do mapa inferior, indicando o fenômeno La Niña – Fonte: NOAA
Efeitos do La Niña
Efeitos do La Niña
Figura 2: Efeitos dos fenômenos El Niño e La Niña sobre várias partes do globo terrestre, inclusive sobre o Brasil nos trimestres dezembro, janeiro e fevereiro e junho, julho e agosto – Fonte: CPTEC/INPE
A questão é que nem sempre estes padrões ficam tão evidentes, mesmo quando o Pacífico está aquecido ou resfriado. Embora este oceano seja o maior do planeta, cobrindo quase metade de sua área, o Atlântico também pode ser protagonista, mexendo no padrão de distribuição da chuva no país.
Olhando-se para o atual fenômeno El Niño, a Região Nordeste do Brasil não teve um período seco tão severo como poderia. A primavera passada até registrou chuva abaixo da média e calor excessivo, porém desde janeiro de 2024, a precipitação vem acontecendo de forma frequente a ponto de fazer vários açudes transbordarem no sertão, algo que não era visto há pelo menos dez anos. Neste caso, o oceano Atlântico junto à costa do Nordeste registrou temperaturas muito acima do normal. Isso fez com que a evaporação fosse intensa e transportada pelos ventos na direção da Região, resultando nas chuvas fortes dos últimos meses (Figura 3).
Figura 3: Anomalia da temperatura dos oceanos tropicais em dezembro de 2023 – apesar do El Niño, oceano Atlântico aquecido junto à costa do Nordeste minimizou os efeitos do fenômeno sobre a Região – Fonte: NOAA
Ainda olhando para o oceano Atlântico, porém sob La Niña, tivemos recentemente duas primaveras seguidas com condições climáticas completamente diferentes no Brasil. Remetemos aos anos de 2020 e de 2021, os dois sob fenômeno La Niña, porém o primeiro com atraso na regularização da chuva sobre o Brasil e o segundo com precipitação frequente (Figura 4). Como sob o mesmo resfriamento, é possível ter condições tão diferentes? A resposta está no oceano Atlântico.
A diferença pode parecer sutil nos mapas da Figura 5, mas em 2020, o Atlântico sobre o Hemisfério Norte estava mais quente que o Atlântico sobre o Hemisfério Sul, junto à costa das Regiões Norte e Nordeste. Isso fez com que o transporte de umidade não fosse tão eficiente durante a primavera, fazendo com que a regularização da chuva demorasse sobre todo o país.
Já em 2021, além do Atlântico Norte aquecido, o Atlântico Sul junto à costa das Regiões Norte e Nordeste, também estava mais quente. Isso foi suficiente para um melhor transporte de umidade do oceano para a América do Sul e uma regularização mais rápida da precipitação.
Figura 4: Mapas com a anomalia de precipitação no Brasil em outubro, novembro e dezembro de 2020 e de 2021 – os dois trimestres sob La Niña registraram padrões de distribuição e frequência de chuva bem diferentes – Fonte: INMET
Figura 5: Anomalia da temperatura dos oceanos tropicais em dezembro de 2020 e de 2021 – uma sutil mudança de temperatura do oceano Atlântico foi responsável por distribuição de chuva completamente diferente sobre o Brasil, mesmo os dois anos influenciados pelo mesmo fenômeno La Niña – Fonte: NOAA
E em 2024? Estamos sob uma rápida transição. Após o El Niño do início do ano, a expectativa é de que o oceano Pacífico resfrie, dando origem a um novo fenômeno La Niña. Embora as características do La Niña sejam de diminuição da chuva no Sul e aumento da precipitação nas Regiões Norte e Nordeste no segundo semestre, o oceano Atlântico poderá embaralhar as cartas. Algumas simulações indicam o Atlântico Norte mais quente que o Atlântico junto à costa das Regiões Norte e Nordeste. Isso poderá atrasar a regularização da precipitação no último trimestre de 2024. Além disso, ao longo da costa da Região Sul o oceano Atlântico permanecerá mais quente, intensificando as frentes frias e fazendo com que algumas chuvas fortes e esporádicas aconteçam mesmo sob La Niña no segundo semestre de 2024.
É claro que o Atlântico não é o único responsável por mitigar os efeitos dos fenômenos El Niño e La Niña no Brasil. A temperatura do oceano Índico e até mesmo a temperatura do oceano Antártico mexem com o padrão de precipitação por aqui. Por isso, é sempre importante contar com uma boa consultoria meteorológica para que todas as possibilidades sejam analisadas e para que seja realizada a melhor tomada de decisão.